Quando alguém faz o que é correto por um prêmio de um milhão de reais, é difícil acreditar, porque o mais terrível dos homens pode agir corretamente por benefício. Assim pode acontecer com os atos públicos dos homens quando respeitam regras: há recompensas sociais. Suas intenções estão protegidas e seus atos só precisam convencer aos demais que são na aparência o que defendem ser a essência das coisas. Por exemplo, um político, um líder religioso ou um juiz pode se beneficiar das características do bem para, por meio de seus predicados, receber seus elogios. Podem estar interessados no bem enquanto lhes confere benefícios sociais, assim como psicológicos, para que se sintam parte de algo ou livres de punições. Quando os homens agem por reputação, na medida em que recebem o reconhecimento público, avançam seguros de que a informação de quem realmente são está protegida.
Aos que não são dados às regras, os mais rebeldes, esse esquema de recompensa é difícil, obviamente, porque são facilmente reconhecidos como não merecedores de honra pública, mas alguns, que perceberam a maneira como a sociedade atua, são no público o que não são no privado, são fingidos e mentirosos, para sustentar uma posição ou um não envolvimento no que pode comprometer sua tão esforçada tentativa de ser visto como correto, o que inclui também aspectos como um tom adequado de falar, a forma certa de se vestir e tanto mais que percebem ser importante, dada a época, para que vejam que seguem os padrões prescritos. Não se trata de que não existem comportamentos desejáveis, que regras não são boas ou que os homens não precisam de padrões, mas que os perversos entendem isso bem e se camuflam em um investimento de uma vida pública.
Tal vida está sujeita à assimetria, de modo que apenas a vida pública de alguém não serve como uma forma de testificar quem é. Não devemos estar mais interessados na vida pública que na privada, porque os homens desfrutam de benefícios sociais enquanto escondem quem são. Vivemos em uma sociedade que promove cada vez mais esse tipo de vida, em que as pessoas com ansiedade esperam ver a vida de outras ou buscam alguma forma para se promover publicamente, ao ponto de as pessoas necessitarem ver o que as outras fazem para estarem seguras de que são quem dizem ser, o que é no mínimo um exagero dessa vida doentia atual, porque mesmo alguns pais não sabem o que seus filhos consomem quando entram em seus quartos.
A vida pública não pode ser mais livre que a vida privada, porque os vícios cooperam para o fingimento público. As pessoas se adaptam a padrões por recompensa, de modo que qualquer esforço para provar à sociedade que somos merecedores de sua confiança é fácil de ser seguido, porque basta fingir, ou seja, a exagerada cobrança de uma vida pública não é segura. É mais fácil ser alguém com um semblante iluminado de um anjo na frente da câmera do que na privacidade ou entre amigos próximos. A verdadeira liberdade ocorre primeiro no privado, depois no público. Logo, confiar apenas no comportamento dos homens deve ser evitado quando se busca uma garantia de que são quem esperamos. Políticos corruptos podem agir conforme as regras da sociedade para receber dela o que intencionam.
Ser livre não é mostrar aos homens que seus atos são os melhores possíveis. É essência e não aparência. Os atos são parte do resultado da liberdade, como uma necessidade de interação social baseada na virtude. Ninguém é livre porque publicamente agiu conforme uma regra, isso é efeito da norma social prescrita. Ou seja, quanto menos liberdade, mais prescrições são necessárias para enquadrar as pessoas em um padrão de comportamento, cujo resultado pode ser se considerar livre em razão da conformidade.
Portanto, concluímos que uma maior liberdade está na privacidade, que a vida pública é a mais desejada por aqueles que se esforçam por reconhecimento público porque estão interessados em benefícios sociais. Farta-lhes a aparência, visto que estão desejosos por serem aos olhos dos demais adequados, embora não suportem a verdade sobre quem são: homens cheios de ego, fingidos e imorais, dispostos a agir em nome do bem, enquanto no íntimo maquinam o mal.